Páginas

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Calabozoa: um relicto no sertão







Essa é mais uma postagem sobre os curiosos habitantes do meio subterrâneo.
Nosso personagem faz parte do grupo dos Crustáceos em que os exemplares mais conhecidos são os frutos do mar: Lagosta, Camarão e Siri.


Para fazer parte desse grupo é preciso ter um exoesqueleto resistente que protege um corpo segmentado.  A segmentação do corpo é divida em cabeça, tórax e abdômen, às vezes cabeça e tórax fundidos em cefalotórax, e cada segmento com pares de apêndices.  É característico dos crustáceos possuírem dois pares de antenas, e que seus apêndices sejam birramosos (isto é, bi - ramificado, de um eixo partem dois ramos, um interno chamado endopodito e um externo o exopodito) Além disso, o ultimo segmento abdominal não possui apêndice e é chamado de télson.  No tórax os apêndices são chamados de pereiópodes ou “patas de locomoção”; Enquanto que os apêndices do abdômen são os pleópodes ou “patas nadadoras”.


Anatomia básica de um Crustáceo 


Exemplo de apêndice birramoso tipico dos crustáceos. 



Dentro dos crustáceos existem várias ordens e o nosso personagem está em uma ordem conhecida como Isopoda ou Isópode, as características dos crustáceos isópodes são: lateralmente achatados e  não possuir carapaça.  O abdômen e o tórax têm a mesma largura, e as duas regiões não ficam claramente demarcadas.  Ao contrário dos demais crustáceos nos isópodes alguns pleópodes são utilizados como brânquias. É nesse grupo de crustáceos que está o único que é exclusivamente terrestre, são os isópodes da família oniscidae, que popularmente são conhecidos como tatuzinho de jardim.  Mas não é deles que vamos falar hoje.

Algumas fotos do isópode mais conhecido, o Tatuzinho - de - jardim, cientificamente conhecido como Armadillidium vulgare.

O morador misterioso das cavernas sertanejas é um isópode aquático troglóbio (isto é, exclusivo de cavernas) da subordem Calabozoidea . 

Essa subordem Calabozoidea foi criada devido a descoberta de um isópode cavernícola aquático encontrado na Venezuela e descrito em 1983 com o nome de Calabozoa pelúcida.  A criação dessa subordem foi baseada nas características aberrantes desses isópodes venezuelanos tais como redução do télson;  primeiro pleópodo com o endopodito reduzido; II pleópodes do macho sem o apêndice masculino; na fêmea o I pleópode menor que o III; e II pleópode na fêmea com endopodito menor que o exopodito. 

No Brasil embora já tivesse sido descrito crustáceos aquáticos troglóbios de outras ordens tais como Amphipoda e Decapoda, o primeiro isópode aquático troglóbio foi descrito em 2002. 

Esse foi encontrado no interior da Bahia, em uma caverna conhecida como Toca do Gonçalo, situada no interior do município de Campo Formoso, próximo a localidade de São Tomé.  

Essa caverna já era conhecida por abrigar outro interessante troglóbio, um bagre cego miniaturizado. veja link abaixo pra saber mais sobre o peixe.

Vilarejo onde se encontra a Toca do Gonçalo. Campo Formoso - BA.
Ao fundo afloramento calcário da Toca do Gonçalo. 

O Calabozoa encontrado em Campo Formoso foi descrito com o nome de Pongycarcinia xiphidiorus. E é considerado um espécime relicto, isto é, organismos que já foram abundantes no passado, mas que agora estão separados em localidades restritas. Nesse caso um exemplar na Venezuela na bacia do rio Orinoco. E outra na região semiárida do Brasil, Bacia do rio São Francisco.

A sugestão é que essa distribuição em uma época que esses organismos eram abundantes  tenha ocorrido sob o leito e margens de rios da bacia do Amazonas, o que permitiria e conexão entre localidades tão distantes. 

Esse é o Pongycarcinia xiphidiorus, Um calabozoa altamente troglolmórfico isto é, sem pigmentação e olhos e com outras especializações para o meio subterrâneo. 



A despeito da grande importância dessa caverna por abrigar organismos tão raros e de importância científica inestimável, a caverna é considerada uma das mais afetadas por impactos humanos da região da caatinga.

 Localizada em um pequeno vilarejo representa a única fonte de água, e por décadas a água da caverna era extraída através de uma bomba d´água a diesel que lança fumaça na atmosfera cavernícola e contamina o lençol freático com óleo. Em 2010 foi adicionada na caverna uma bomba elétrica por moradores de outros vilarejos com propósitos de irrigação, essa bomba tem causado um severo decréscimo no nível freático da caverna. 

 Depois que pesquisadores da UFLA estiveram lá pra estudar a sua fauna peculiar e ficaram assustados com a situação delicada que envolve por um lado a conservação de um ambiente de extrema importância para a ciência e de outro lado problemas socioeconômicos. As agencias ambientais foram informadas e foi negociado com o município a retirada das bombas d´água e a implantação de poços artesianos. 
A última visita feita pelo grupo CAACTUS na Toca do Gonçalo ( outubro de 2012) constatamos que as bombas foram retiradas. 


A entrada vista pelo lado de dentro, detalhe do cano que leva a água da caverna para as cisternas da comunidade. 
Bomba d água movida a óleo diesel  retirando a água da Toca do Gonçalo.  foto de 2010. 

Detalhe dos condutos tipicamente freáticos da Toca do Gonçalo.



Recentemente os mesmos pesquisadores da UFLA coordenados pelo professor Rodrigo Ferreira Lopes, fizeram uma extraordinária descoberta em uma caverna do município baiano de Paripiranga.  Descobriram mais um calabozoa, esse com características tão particulares que foi sugerido não só um novo gênero Brasileirinho cavicatus, Mas até uma nova família que é Brasileirinidae! Essas novas descobertas vão esclarecer o parentesco desses animais tão curiosos. 

Em A os diminutos indivíduos da espécie Brasileirinho cavicatus, de B - D detalhes desses exemplares, E e F detalhes da caverna da Baixa funda em Paripiranga - Ba. 
Fotos e informações retiradas de Prevorcnik, Ferreira e Sket 2012. 

Um comentário: